Correção e tolerância

Por - em 7 anos atrás 930

Parece-nos evidente, e tem sido uma prática comum em todas as culturas que a educação supõe necessariamente a correção. Os pais tem obrigação de corrigir seus filhos, quando estes fazem algo que não é correto, os professores devem corrigir seus alunos… e todos devemos corrigir-nos mutuamente quando fazemos algo mal, se nos amamos de verdade. Mas a correção mútua é tão necessária como difícil de praticar.

No evangelho deste Domingo (cf. Mt 18,15-20) São Mateus fala que a comunidade cristã deve resolver seus conflitos cultivando o amor mútuo e o perdão, através da correção cristã. Perante o irmão que errou, devem ser postas em prática todas as iniciativas necessárias a fim de que se arrependa. A correção fraterna cristã é necessária que se faça com muito amor, não com ódio, espírito de critica ou de condenação, exclusivamente por amor à pessoa que manchou com o pecado as relações com os outros.

Através desse relato aprendemos que a comunidade de Mateus é uma comunidade normal, isto é, é uma comunidade parecida com qualquer uma das comunidades que conhecemos. Nessa comunidade existem conflitos, tensões e problemas de convivência entre as pessoas e os diversos grupos: há irmãos que se julgam superiores aos outros e que querem ocupar os primeiros lugares; há irmãos que tomam atitudes prepotentes e autoritárias; há irmãos que magoam e ofendem outros membros da comunidade; há irmãos que têm dificuldade em perdoar as falhas e os erros dos outros… Para responder a esta realidade, Mateus elaborou uma exortação que convida à humildade, ao acolhimento, ao perdão e ao amor fraterno. Ele desenha um “modelo” de comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de ser como uma família de irmãos, que buscam viver em harmonia e comunhão no amor fraterno e na oração.

“Jesus ensina-nos que se o meu irmão cristão comete uma culpa contra mim, quando me ofende, eu devo ter caridade para com ele e, antes de tudo, falar-lhe pessoalmente, explicando-lhe que quanto ele disse ou fez não é bom. E se o irmão não me ouve? Jesus sugere uma intervenção progressiva: primeiro volta a falar-lhe, com mais duas ou três pessoas, para que esteja mais consciente do erro cometido; se não obstante isto, ele não aceitar a exortação, é necessário dizê-lo à comunidade; e se ele não ouvir nem sequer à comunidade, é preciso levá-lo a compreender a ruptura e a separação que ele mesmo provocou, faltando à comunhão com os irmãos na fé.” (Papa Francisco)

Portanto, Jesus no evangelho nos apresenta os diversos passos, a maneira de realizar a correção mútua. O melhor seria evitar todo escândalo e normalizar a situação a quatro olhos. Longe de perder o tempo falando com outros das faltas dos outros, a primeira coisa que se tem a fazer é tratar o que há de errado, pessoalmente com o irmão, antes que seja tarde, que ele se perca definitivamente, com a única intenção de recuperá-lo, de não perdê-lo. Mas, como fazê-lo?

Jesus não o disse, mas se deduz de sua mensagem: com amor e humildade. Dizia Santo Agostinho, “se corriges, corrige com amor”. Amar alguém é não ficar indiferente quando ele está a fazer mal a si próprio; por isso, amar significa, muitas vezes, corrigir, admoestar, questionar, discordar, interpelar… É preciso amar muito e respeitar muito o outro, para correr o risco de não concordar com ele, de lhe fazer observações que o vão magoar; no entanto, trata-se de uma exigência que resulta do mandamento do amor.

A correção fraterna educa-nos a conviver com o mal próprio, e também com o dos outros, educa-nos a ser tolerantes. Na comunidade eclesial, na família ou nas relações interpessoais: escândalos, tensões, conflitos ou desentendimentos são inevitáveis. A Igreja hoje rodeada de tantos conceitos de tolerância e de não exclusão tem consciência de que não é perfeita; não é uma “seita de puros”, comunidade de perfeitos, mas de homens e mulheres que, em meio a limitações e fraquezas humanas, caminha como irmãos e irmãs que se ajudam mutuamente no seguimento de Cristo.

E não nos esqueçamos de que é toda a comunidade cristã que tem a obrigação de corrigir. Jesus não vê a comunidade dos discípulos como uma associação de indivíduos na qual cada um trata da sua vida ou pode fazer o que quiser, sem que ninguém se preocupe com o outro. A correção fraterna é um serviço recíproco que podemos e devemos oferecer uns aos outros. Corrigir os irmãos é um serviço, e só será possível e eficaz se cada um se reconhecer pecador e necessitado do perdão do Senhor.

Correção fraterna quer dizer aprender o que significa tolerância. Fala-se muito hoje em tolerância. A palavra “tolerância” é essencialmente cristã, exige o respeito pelo outro, pelas suas diferenças, até pelos seus erros e falhas. No entanto, ser tolerante não significa que cada um possa fazer o mal ou o bem que quiser; não implica recusarmo-nos a intervir quando alguém toma atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a dignidade ou os direitos dos outros; nem quer dizer que devamos ficar indiferentes quando alguém assume uma postura ou comportamentos de risco.

Diante de uma pessoa que se emperra no erro, que destrói a sua vida e a dos outros, não devemos ficar de braços cruzados. A tolerância poderá ser outras vezes, uma desculpa que disfarça a indiferença, a irresponsabilidade, o comodismo e até a omissão. Temos o dever e o direito, como cristãos, como Igreja, de denunciar e de condenar os atos que afetam o bem comum, como a vida, a liberdade, etc.

Porém, devemos distinguir claramente entre a pessoa que erra e os seus atos errados. As ações erradas devem ser condenadas; no entanto, os que cometeram essas ações devem ser vistos como irmãos, a quem amamos, a quem acolhemos e a quem oferecemos sempre outra oportunidade de recomeçar.

Na comunidade cristã todos devem sentir-se responsáveis de que nenhum se perca. A partir desta preocupação e solidariedade fraterna, que é uma forma essencial do amor ao próximo e que responde à vontade de Deus, pode fazer-se necessário advertir um irmão da sua culpa, um irmão que se equivocou e convidá-lo à conversão.

Que nossas comunidades cristãs, à semelhança da primeira geração de cristãos, sejam comunidades fraternas onde se notam as marcas do amor. Os que são de fora deveriam olhar para nós e dizer: “eles são diferentes, porque amam mais que os outros”.

Por Padre José Assis Pereira