A plenitude da lei é o amor

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Neste momento histórico de crise e vazio de valores, todo cristão ou não, tem uma referência de valores nas palavras e ações de Jesus de Nazaré para preencher esse vazio. Os cristãos têm que ter coragem para apresentar em nossa sociedade os valores de Jesus em toda a sua riqueza e força transformadora para a construção de um mundo novo.

Há quem tenha considerado Jesus Cristo como um revolucionário, um inconformista que derrubou os fundamentos da sociedade do seu tempo. Mas no fundo, ao pensar assim, o que se quer é justificar a própria postura rebelde dos que se empenham, com razão ou sem ela, não se trata aqui de julgar ninguém, em derrubar o poder constituído. Ante aqueles que, já no seu tempo, pensavam assim de sua missão, Jesus adverte com clareza e firmeza que Ele não veio revogar ou abolir a Lei, mas sim dar-lhe pleno cumprimento. Devido a essa atitude, repeita e reconhece a autoridade constituída, ainda que a critique com energia em algumas ocasiões, porque não cumpriam o que eles mesmos ordenavam, ou porque se serviam do poder para seu proveito pessoal. Por isso disse: “Fazei e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem, mas não fazem”. (Mt 23,3)

Para entender como o próprio Jesus entendia a Lei temos os exemplos que o evangelho deste domingo (cf. Mt 5,17-37) nos apresenta. São Mateus põe na boca de Jesus ensinamentos profundos e atuais, exigência radical: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da lei e dos fariseus, vós não entrareis no reino dos céus.” (v. 20) Teríamos nós, nos convertido nos novos fariseus, com leis e normas que em lugar de ajudar-nos a crescer e a viver felizes, nos colocam longe do projeto de Deus?

Jesus não queria que seus discípulos se tornassem uma seita fechada de “puros” como os fariseus muito bem intencionados, porém enganados a si mesmos e enganando os outros, com sua falsa moral, vivendo a lei apenas no seu aspecto exterior, pois a plenitude da lei exige mais. Não basta sermos uns fariseus mais fariseus. Como cumprir a lei literalmente melhor que os mestres da lei e fariseus? Segundo Jesus os mestres da lei e fariseus não cumpriam a lei por amor e com amor, e sim por motivos egoístas e interesseiros. Jesus não despreza a lei, mas quer que como Ele nós a cumpramos em plenitude.

A plenitude da lei não está no cumprimento literal, mas em sermos fiéis ao espírito da lei. Jesus ama a lei, mas não é legalista. Sabe que a lei tem letra e espírito; “a letra mata, mas o espírito comunica a vida” (2Cor 3,6), ater-se exclusivamente à letra da lei pode matar o seu espírito. Cumprir a lei em plenitude é cumprir o espírito da lei. A Lei de Moisés era a mesma para todos os judeus, mas cada judeu era uma pessoa particular, com suas circunstâncias temporais e especiais próprias.

Cumprir a lei atendo-nos ao seu espírito é cumpri-la em sua plenitude. Sabemos também que o mandamento de Cristo, sobre o qual se sustentam todos os outros mandamentos é o mandamento do amor: “Amarás ao Senhor teu Deus… esse é o grande e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante a esse: Amarás o teu próximo como a si mesmo”. (Mt 22,37-39) Depois de afirmar este princípio fundamental Jesus põe o exemplo de quatro mandamentos que todo judeu sabia de cor (não matar, não cometer adultério, não jurar falso) e propõe suas antíteses (vv. 21-37). Jesus não nega a validade desta lei, porém disse que para cumpri-la tem que ir muito mais além do que essas leis dizem literalmente.

Não basta não matar, para cumprir o quinto mandamento, se trata de não ofender o próximo e de por muito amor em nosso trato com ele. Porque há outras formas de se matar. Podemos matar as ilusões dos outros, podemos anular o outro ou deixá-lo marginalizado, podemos lhe guardar um terrível rancor; e tudo isso é também matar, não com uma morte física, mas sim com uma morte moral e espiritual.

Tampouco é suficiente para a pessoa casada não cometer adultério material e físico-sexual com outra pessoa que não é sua esposa ou esposo, o sacramento do matrimônio exige dos esposos amar-se, como Cristo ama a sua Igreja. A plenitude desta lei exige que seja o amor o que regula as relações entre os esposos.

Creio que chegou o momento de chamar as coisas pelos nomes, não como insulto pessoal, mas com a denominação que o próprio Jesus dá. Trata-se do assunto espinhoso do adultério que deve ser tratado com caridade pastoral, mas que é preciso assumir uma postura moral, não farisaica, mas justa.

Esses homens e mulheres que desfilam no “hight society” ou em tantas revistas de fofocas falando dos seus tantos casamentos e descasamentos temos que chamá-los de “adúlteros”. Talvez para eles e elas isso nem tenha tanta importância, mas, para nós cristãos deveria importar muito, pois assim é como o Senhor os chamaria. Sejam elas ou eles, grandes personalidades do mundo empresarial, do mundo artístico, do mundo político… São adúlteros sim, e Jesus foi muito claro ante esta questão.

Jesus conclui o seu comentário à lei falando sobre a verdade: “Não jureis de modo algum… Seja o vosso ‘sim’: Sim, e o vosso ‘não’: Não”. (vv. 34-37) O cristão é chamado a ser verdadeiro, transparente e simples, vivendo de tal modo a verdade que não precise jurar.

Cumprir a lei é cumprir o espírito da lei, porque como já dissemos, a literalidade da lei não pode ter em conta cada caso particular, em troca, ao espírito da lei se tem em conta cada pessoa, porque o espírito é amor e o amor olha, em concreto, o bem integral de cada pessoa em particular. Amemos nós a lei, intentemos cumprir todas as leis justas, mas sabendo sempre que cumprir a lei é cumprir o espírito dessa lei, que não pode ser outro que o amor a cada pessoa particular. Cumprir uma lei com amor é cumprir essa lei em toda sua plenitude.

Enfim podemos afirmar que Jesus quer dar cumprimento verdadeiro à lei, quer desvelar o verdadeiro significado. Todos os mandamentos estão traspassados pelo amor. Que o nosso cumprimento da lei seja a expressão do nosso amor a Deus e ao próximo, tendo como raiz a liberdade dos filhos e filhas de Deus.

Por Padre José Assis Pereira