Sejamos persistentes

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O Evangelho de São Lucas segue mostrando sua sensibilidade com a realidade e os problemas dos pobres e humildes no caminho de Jesus.

No contexto em que São Lucas situa a “parábola do Juiz e a viúva”, (cf. Lc 18,1-8) podemos descobrir uma intencionalidade em mostrar a  realidade na condição das muitas mulheres que ficavam viúvas em idade jovem na comunidade. Este evangelho foi escrito após os anos 70 dC., período de muitas guerras. Muitos homens terão morrido na guerra deixando esposas, mães e filhos sem proteção alguma. Além das guerras, os trabalhos forçados a que o Império Romano obrigava seus escravos pode ser responsável pela morte de outros tantos homens. O fato é que há muitas viúvas e elas estão sendo causa de conflitos na comunidade (cf. At 6,1-7). Lucas mostra que Jesus tomou a defesa dessas mulheres.

São Lucas situou a sua parábola neste contexto das primeiras comunidades, que nasceram entre os pobres. O texto enfatiza a esperança na vinda de Jesus, insiste na oração perseverante e centra como valor supremo a fé. Disse Jesus: “Havia numa cidade um juiz, que não temia a Deus e não respeitava homem algum. Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à procura do juiz, pedindo: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário!’ Durante muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não respeito homem algum. Mas esta viúva ja me está aborrecendo. Vou fazer-lhe justiça, para que ela não venha a agredir-me!” (Lc 18,2-5)

Nessa parábola não podemos perguntar quem é mais importante: o juiz ou a viúva. Porque por um lado é a viúva que não se amedronta e insiste que se faça justiça. O faz com suas armas: sua palavra e sua perseverança. Não usa métodos violentos, porém está convicta de que tem direitos aos quais não pode renunciar. Mas, por outro lado, é verdade que este juiz, chega a convencer-se que esta mulher, com sua insistência, pode chegar a tornar-lhe a vida muito incômoda ou quase impossível. Por isso ao final, sem convencimento pessoal, decide “fazer-lhe justiça”.

Todavia, não se pode comparar Deus a esse juiz. O juiz não representa simbólicamente Deus, seria absurdo! O Deus de quem se quer falar é coprotagonista com a viúva. Se um juiz, homem sem fé, faz justiça apenas para não se aborrecer, indiretamente aqui se faz uma crítica aos que têm em suas mãos as leis e as põem a serviço dos poderosos. Disto sabemos muito bem por experiência em nossa história, particularmente no Brasil.

Deus, diferente do juiz, é todo atenção, bondade, misericórdia, é outra coisa; não tem ofício, nem fez carreira de juiz. Deus é juiz, se quisermos dar-lhe um título, mas é Pai e tem coração. Dessa maneira se entende que raciocinará de outra forma, mais sensível à atitude de confiança e perseverança dos que lhe pedem, e especialmente dos que têm sido despojados de seus direitos, de sua dignidade, de sua verdade e de sua felicidade.

O texto nos faz lembrar um dos temas centrais da Bíblia: o grito dos oprimidos e a resposta de Deus: “Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa de seus opressores; pois eu conheço suas angústias…” (Ex 3,7) A viúva representa o povo, a humanidade, os pobres e oprimidos que lutam contra o mal e as injustiças. É preciso lutar, pedir, procurar os direitos e conquistá-los.

Muitas vezes nos inquietamos e ns preocupamos com o chamado “silêncio de Deus”. A figura do Silêncio de Deus é falsa, ainda que, honestamente nos possa parecer às vezes que Deus não nos escura, nem nos ajuda. Jesus disse muitas vezes, viveu essa situação de desamparo do Horto das Oliveiras até o momento de sua morte na Cruz. Sem duvida, tudo terminou ali no Gólgota. A Ressurreição e a glorificação visivel de Jesus de Nazaré foi o triundo total de sua missão. Deus falou e como falou!

Deus não está ausente, nem insensível aos apelos do seu povo. O sofrimento e o desespero se prolongam. No entanto, é preciso confiar, como o povo diz: “Deus tarda, mas não falta!” Em outras palavras: “Deus fará sua justiça aos que lhe suplicam”. O desespero não é o caminho, também a vingança ou a violência não são, ou ainda a indiferença ou a passividade. Carregada de confiança, de esperança e sobretudo de fé a viúva é modelo do cristão que deve ser lutador, paciente, corajoso e nunca passivo ou acomodado ante todas as formas de injustiça, opressão, violação dos direitos ou pura maldade. Ela tem a fé que abre todas as portas.

É realmente uma parábola para inculcar a confiança em Deus, mais que nas pessoas e suas leis. Uma parábola para dizer-nos que é preciso manter viva a fé sem perder a confiança no Pai. Enquanto outros nos despojam de nossa justiça, dignidade e de nossos direitos, Deus está conosco, Deus fará  sua justiça.

Deus colocou no centro da história seu próprio Filho, crucificado e ressuscitado, para dar um novo sinal de esperança à humanidade. O sofrimento dos humildes que clama a Deus se une ao sofrimento de Jesus e então se manifesta como força transformadora. Quando a provação é intensa, logicamente vem o cansaço e o caminho da derrota. A força ressuscitadora é a fé, com força do Espírito para que seja perseverante, no sofrimento e no chamado à conversão.

Deus tem o seu projeto, o seu plano e o seu tempo próprio para intervir. Aos cristãos resta-nos moderar nossa impaciência e confiar em que Ele não deixará de intervir para nos libertar.

Esta é uma parábola sobre “a necessidade de rezar sempre e nunca desistir”. Lucas pede aos cristãos que, apesar do aparente silêncio de Deus, não deixem nunca de dialogar com Ele. É nesse diálogo que entendemos os projetos e os ritmos de Deus; é nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações; é nesse diálogo que aprendemos a entregar-nos nas mãos de Deus e a confiar n’Ele e na sua justiça.

Mas Jesus encerra a sua parábola com uma pergunta até hoje inquietante. “Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”

É realmente uma parábola para dizer-nos que é preciso manter viva a fé sem perder a confiança em Deus. É certo que a oração é o grande meio para alimentar a nossa fé e não perdê-la. A intercessão ou a oração, no dizer de Sta. Teresinha do Menino Jesus “é um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”, é portanto, um grito do que ama ao Deus que ama, é um ato de fé em seu amor. Deus escuta sempre a nossa oração, mas normalmente não sabemos o que pedir nem como pedir e por isso nossa oração deve ser contínua. No entanto, isso requer fé. Está viva a nossa fé? Estou convencido que não há noite sem amanhecer? Que nada sufoque nossa oração contínua e constante.

Por Padre José Assis Pereira