Padim Ciço e a transgressão da fé

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Para o sertanejo, devoto de Padim Ciço, fé é sinônimo de rebeldia. Não são os ditames da igreja católica que comandam as cabeças dos romeiros de Juazeiro do Norte. Porque se assim fosse Juazeiro não seria esse destino certo para milhares de nordestinos durante todo o ano. Na verdade nem existiria a cidade “Capital da Fé”, com suas ruas estreitas e seu comércio aquecido. Foi a transgressão de um Padre (excomungado pela Igreja Católica e acolhido pela fé de um povo sofrido) que resultou na fundação daquela cidade há pouco mais de cem anos. A hóstia transformada em sangue na boca da beata Maria de Araújo, foi o estopim da crise entre a igreja e o padre, ao mesmo tempo que significou a gota de água que faltava para a crendice popular transformá-lo em santo. Quando a igreja caçou os direitos do sacerdote, a política e o voto dos romeiros o acolheram. Padre Cícero deixou a igreja e entrou na prefeitura como o primeiro gestor daquela cidade recém-fundada com a ajuda de coronéis, jagunços, beatos e romeiros.

Um século depois, certamente ameaçada por uma onda de novas religiões e sob a possibilidade de perda dos fiéis, a igreja (leia-se o Vaticano) se reconcilia com o padre. A tão esperada resposta chegou. E Juazeiro do Norte se transformou numa festa. Não, não é frase de efeito, também não chega a ser redundante afirmar que, nas últimas semanas, a cidade fundada pelo “Padim Ciço” foi completamente invadida pelos fieis romeiros do padre. Ocupada pelos donos de uma fé que nunca cessa. Uma multidão de peregrinos fervorosos e fiéis a Cícero tomou conta do estádio O Romeirão. No local foi celebrada uma missa campal. E quando todos os romeiros foram convidados a contar o trecho da musica “Viva Meu Padim” que diz logo nos primeiros versos “Olha lá no Alto do Horto, Ele está vivo o padre não está morto”, todos, exatamente todos os presentes ao estádio se voltaram para o topo da serra do Croatá onde fica a estátua em homenagem ao referido Padre.

Sob o som da sanfona, quarenta mil vozes ecoaram a canção imortalizada por Luiz Gonzaga e a emoção dos romeiros se materializou em lágrimas. Mas isso apenas não bastava, a comemoração tinha que ser a altura da notícia e para isso um helicóptero sobrevoara o estádio soltando pétalas de rosas vermelhas sobre multidão e, lá em cima do morro, luzes coloridas iluminavam a estátua de 27 metros de altura, inaugurada em 1969, para homenagear o padre Cícero Romão Batista. Por toda a cidade ouvia-se o pipocar dos fogos. Juazeiro sentiu pela enésima vez, em plena terça-feira, a força popular de seu padre mais querido.

Todas essas demonstrações festivas reforçam uma fé que já existia sobre o padre Ciceroindependentemente da Igreja Católica aceitar ou não, por isso uma fé transgressora. O próprio “Bendito do Padre Cícero”, cantado pelos romeiros em procissão ano após ano, já diz o seguinte: “Meu Padim Ciço é santo e ninguém queira duvidar”. A reaproximação do Vaticano com o padre sertanejo é um ato político da igreja que busca manter viva essa chama de fé que move as multidões pelos sertões desse país. A hora de unir e não punir. Bem como pensava Cícero Romão Batista.

 Jurani Clementino Jornalista, Escritor, Professor