Não podeis servir a dois senhores

Por - em 8 anos atrás 951

O profeta Amós (cf. Am 8,4-7) pregava e clamava contra as injustiça do seu tempo que leva à opressão dos mais pobres da sociedade. Ele recrimina seus contemporâneos por causa de sua ambição e ganância por dinheiro, que utiliza meios fraudulentos para aumentar o seu patrimônio. São as velhas caras da corrupção tão atual em nosso tempo.

O perigo está em ver isso como normal o que acaba sendo para muitos uma obsessão por dinheiro, que gera injustiça social; injustiça que padece principalmente os marginalizados de nossa sociedade, os pobres, os fracos.

Destes é de quem fala o profeta Amós, que termina sua pregação recordando a todos a presença de um Deus justo que não esquecerá as ações daqueles que exploram o necessitado: “Nunca mais esquecerei o que eles fizeram”, diz o Senhor.

O evangelho de São Lucas (cf. Lc 16,1-13), “a parábola do administrador” para a nossa maneira de pensar é desconcertante. Trata-se de um administrador que em sua gestão fraudulenta se beneficia do dinheiro que administra. O patrão, um homem rico, ao inteirar-se da sua forma de atuar, chama-o dizendo:

“Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, pois já não podes administrar meus bens” (v.2). Decide despedi-lo. O administrador sem duvida ao refletir sobre seu futuro não encontra mais saída, senão chegar a um acordo com os devedores do seu patrão para não ver-se na rua e passa a manobrar com eles rebaixando suas dividas.

A parábola não se detém a julgar as manobras deste administrador. Sem duvida comenta algo muito curioso que nos custa entender; refiro-me a este comentário do patrão que, “elogiou o administrador desonesto, porque ele agiu com esperteza,” (v.8), lhe felicita pela astucia com que havia procedido em um momento tão difícil para seu futuro. A razão é que “os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz”. Assim termina a parábola.

“E eu vos digo: Usai o dinheiro injusto, para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas” (v. 9).

Continuando o evangelista põe na boca de Jesus uma reflexão que certamente era novidade então, e para alguns até acharam-na subversiva, sem duvida, só quer revelar a injustiça que subjaz na riqueza que não cumpre uma função social, por isso ao dizer “dinheiro injusto”, dar por suposto que a riqueza é injusta se não tem, outro olhar que a própria segurança egoísta e ignora as necessidades alheias.

Claro que Jesus não elogia nem aprova a desonestidade deste administrador que procurou assegurar o futuro prejudicando o senhor dos bens. Escrevendo uma quantia inferior à da divida, prejudicava os interesses de quem lhe confiou a administração.

Mas louva a sagacidade dele, ao procurar garantir o futuro, arranjando amigos no exercício da sua administração. Assim podemos entender a frase evangélica que parece exagerada: “angariai amigos com o dinheiro injusto”.

Quer dizer, agora que estais em um tempo propício compartilha vossos bens com os mais necessitados pensando que somos todos mais que amigos, irmãos. Esta é a “astucia” do administrador que descobriu outra função do dinheiro, ganhar amigos e ajudar aos pobres que dependem como ele de um senhor rico que não necessita de nada.

Depois desta parte da parábola que elogia a ação desonesta do administrador, porque soube, podemos dizer, “lavar” suas fraudes, e como se quisesse o autor repreender a este empregado “astuto”, continua a parábola defendendo a honradez e a honestidade no pequeno e no grande.

“Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes” (v. 10). O Evangelista Lucas com esta frase quer sublinhar a ética nas relações interpessoais e no concreto, nas relações econômicas.

A parábola continua apresentando-nos uma justiça superior que chegará a cumprir-se no destino definitivo do homem, quando disse: “Assim, vos receberão nas moradas eternas”. Uma vez mais Jesus faz referência ao encontro definitivo com o Pai que julga as ações de seus filhos.

Ao finalizar esta parábola nos encontramos com esta reflexão ou mandato, que o evangelista põe na boca de Jesus: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará um e amará o outro ou se apegará a um e desprezará o outro…” (v. 13)

É um principio que recorda o compromisso fundamental que o cristão deve ter no seguimento de Cristo. É um compromisso que não se resolve somente na área intelectual e espiritual do ser humano, mas sim que compromete outros aspectos afetivos da pessoa.

Por isso a escolha não é meramente especulativa, mas compromete áreas mais profundas da personalidade gerando uma luta interior na escolha de um senhor ou outro com suas duvidas e altos e baixos, mas tem que salientar que não cabem meios termos já que não se pode servir a dois senhores…

Lucas que escreve este evangelho e se move em um ambiente cultural onde a escravidão era normal e emprega palavras que tem relação com a falta de liberdade e a anulação da pessoa que se gera nessa situação, por isso emprega termos que entendiam seus ouvintes, como amo, senhor, servo, escravo.

Alguém dirá que a linguagem é defasada, não atual, mas agora em nosso mundo podemos encontrar o mesmo significado substituindo-os por outras palavras que serão mais técnicas que denotam uma falta às vezes maior de liberdade interior.

Pensemos no poder do dinheiro que propicia situações pessoais de “dependência”, “servidão“ ou “escravidão”, difíceis de superar que acabam muitas vezes anulando a pessoa.

Por isso uma vez mais temos que salientar que Jesus não condena o dinheiro nem a riqueza, só chama a atenção sobre o mau uso do dinheiro colocando uns princípios necessários para que o cristão forme sua consciência e o dinheiro não seja algo que lhe escravize ao absolutizá-lo, como um deus, é algo que nos diminui, até o ponto de que a dependência nos impede de ver outros valores como podem ser os espirituais e muito menos ver em Deus o Pai comum de todos os homens e mulheres cujo rosto, de alguma maneira, está nos irmãos.

O Papa Francisco nos adverte na exortação apostólica “A Alegria do Evangelho” à não idolatria do dinheiro, que o compara com uma espécie de “fetichismo” fruto de um consumismo exagerado, que de uma forma cada vez mais urgente e sutil nos centra no dinheiro e nas necessidades criadas pelo mesmo; o Papa Francisco fala da “ditadura da economia”, que desumaniza a pessoa humana hoje, esquecendo o papel da riqueza a serviço dos mais necessitados.

É um “desafio” que temos todos para não incorrer no comentário que depois desta parábola faz Lucas, ao dizer: “Os fariseus ouviram tudo isto, eles que são amigos do dinheiro, e o desprezam, referindo-se a Jesus de Nazaré”.

Padre Assis Pereira