Porque a Humanidade não pisa na Lua há 47 anos

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A data: 14 de dezembro de 1972. O homem: Eugene Cernan. Pouco mais de três anos depois do “salto gigantesco” de Neil Armstrong na Apollo 11, a Humanidade dava seus últimos passos na Lua, com a Apollo 17 encerrando o mais ambicioso programa de exploração humana no espaço da História. Mas enquanto Cernan embarcava no módulo lunar “Challenger” com o colega Harrison Schmitt — geólogo e único astronauta com formação científica a ir à Lua — para dar início à viagem de volta à Terra, poucos imaginavam que mais de cinco décadas se passariam sem que um ser humano pisasse lá, com retorno esperado agora, na melhor das hipóteses, para 2024.

Originalmente previsto para ter mais três missões — Apollos 18, 19 e 20 —, o programa teve seu fim precoce decretado por um sperie de razões: altos custos, desinteresse do público, falta de benefícios imediatos e mudança de foco na estratégia espacial, especialmente a americana, entre outros, explica Paula Vedoveli, professora da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV/SP).

— Depois da Apollo 11, a corrida espacial entra em um novo momento, com uma queda do apoio da população especialmente nos Estados Unidos — conta. — Engajados numa longa e dispendiosa guerra no Vietnã, os EUA passaram a enfrentar problemas econômicos com a alta da inflação e a queda na produção de petróleo, o que levou a uma mudança da opinião pública com relação aos investimentos na corrida espacial. Para a população americana, principalmente os jovens, tanto a guerra quanto a corrida espacial significavam gastos que sacrificavam sua prosperidade e acesso a bens em prol de escolhas do governo.

Além disso, destaca Paula, passada a euforia com o pioneirismo da Apollo 11, ficou difícil justificar estes gastos seja do ponto de vista do desenvolvimento científico-tecnológico seja como propaganda político-ideológica.Réplica do Sputnik 1 em exibição no Museu do Ar e do Espaço dos EUA: entre seu lançamento em 1957 e fim da Guerra Fria em 1989, americanos e soviéticos lançaram mais de 3 mil satélites artificiais, 60% deles com funções militares e um terço 'espiões' Foto: Nasa

— Era cada vez mais difícil cativar o público, que não via benefícios imediatos no programa, e transformar as missões seguintes em uma forma de propaganda, viés que se perdeu após a primeira missão ter sido completada com sucesso — diz.

Também pesou neste caso a questão estratégica. Desde seu início, a corrida espacial foi uma faceta visível da corrida armamentista entre EUA e a então União Soviética, mas entre o fim dos anos 1960 e começo dos 1970 esta disputa ganhou novas “regras”. Em 1967, por exemplo, ambos países assinaram o Tratado do Espaço Sideral, no qual se comprometiam a não usar o espaço como plataforma de lançamento de armas de destruição em massa nem alvo de seus ataques, garantindo seu uso “pacífico”.

Já em 1969 ocorria a primeira rodada das Conversações sobre Limites para Armas Estratégicas (Salt, na sigla em inglês), que levaram à assinatura de tratados “congelando” e depois reduzindo o número de mísseis nucleares que EUA e URSS poderiam ter em seus arsenais, cujo desenvolvimento era o “motor” por trás da fabricação de foguetes cada vez mais poderosos e confiáveis para a exploração espacial humana.

Assim, EUA e soviéticos voltaram seus programas espaciais para seus objetivos iniciais: o espaço como posto estratégico para monitorar e espionar o outro lado e facilitar e assegurar a comunicação com e entre suas tropas por meio de satélites artificiais; e a ocupação humana da baixa órbita da Terra com estações que serviriam como laboratório para experimentos científicos e desenvolvimento tecnológico.

A força da primeira motivação fica clara nos números. Entre 1957, com o lançamento do Sputnik 1 pelos soviéticos, e 1989, com a queda do Muro de Berlim e o “fim” da Guerra Fria, ambos países lançaram mais de 3 mil satélites, dos quais 60% tinham função total ou parcialmente militar e cerca de um terço era classificado como “espião”.

A explosão do ônibus espacial Challenger, em 1986: tolerância a riscos é muito menor hoje Foto: NasaJá no segundo caso se insere o americano Skylab, a primeira estação espacial do planeta, lançada pela Nasa em 1973 com recursos redirecionados das que seriam as últimas missões Apollo – inclusive usando o último foguete Saturno V, desenvolvido e construído especificamente para o programa de ida à Lua, e a soviética, e depois russa, Mir, que ficou em operação entre 1986 e 1996. Ambas serviram de precursoras para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), projeto conjunto das agências espaciais dos EUA (Nasa), Rússia (Roscosmos), Japão (Jaxa), Europa (ESA) e Canadá (CSA) e a participação de 16 países, entre eles o Brasil – depois excluído por não entregar sua parte -, que começou a ser construída em 1998.

Ainda neste escopo está o programa dos ônibus espaciais americanos, que voaram entre 1981 e 2011, e seu equivalente soviético, o Buran, que realizou apenas uma missão, não tripulada, em 1988. E aqui entra outra forte razão para que a Humanidade não tenha voltado à Lua nos últimos 47 anos: viajar ao espaço ainda é extremamente perigoso e arriscado e, para Lua, mais ainda.

Basta ver que dos cinco ônibus espaciais construídos pelos EUA, dois, ou 40% da frota, sofreram falhas catastróficas que custaram a vida dos sete tripulantes que levavam a bordo — o Challenger, que explodiu pouco depois do lançamento em 1986, e o Colúmbia, que se desintegrou na reentrada na atmosfera em 2003.

Se para os pioneiros da corrida espacial, estimulados pela disputa político-ideológica entre EUA e União Soviética, alguns grandes riscos eram aceitáveis, hoje a tolerância a estas tragédias é muito menor. Exemplo disso é o fato de que o então presidente americano Richard Nixon tinha pronta carta lamentando a perda dos astronautas da Apollo 11, dois dos quais, Armstrong e o piloto do módulo de comando Michael Collins, posteriormente revelaram achar na época que tinham apenas 50% de chances de voltar com vida à Terra.

O GLOBO