Domingo, dia santo

Por - em 6 anos atrás 2020

A liturgia deste Domingo convida-nos a nós cristãos, meditar sobre a celebração do Dia do Senhor. A Bíblia fala do “sábado”, em hebraico “shabbat” que quer dizer “repouso”, dia festivo para os judeus, consagrado ao Senhor, Domingo, “dies domini” para os cristãos.

A prescrição do sábado é uma das mais sagradas instituições para os israelitas. Na narração do livro do Gênesis vemos Deus descansar no sétimo dia, depois de completar a obra da criação (cf. Gn 2,1-3). Dentre os dez Mandamentos, aquele que é formulado de um modo mais amplo e circunstanciado é o que diz respeito à “observância do sábado”. A finalidade é a sua “santificação” e consiste no direito a um dia de descanso semanal.

A celebração do sábado tem uma grande dimensão social, exclui qualquer trabalho, o mandamento é universal: não só para as pessoas livres, mas também para os escravos, os estrangeiros e até para os animais. Garantindo assim o direito ao descanso, sobretudo aos pobres que se veem assim protegidos pela lei divina (cf. Dt 5, 12 – 15):

“Guarda o dia do sábado, para o santificares, como o Senhor teu Deus te mandou. Trabalharás seis dias e neles farás todas as tuas obras. O sétimo dia é o do sábado, o dia do descanso dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum…”

É claro o objetivo da Lei divina: “santificar”, o verbo tem um significado teológico, ou seja, tem Deus por referência “guardar o sábado”, abstendo-se do trabalho, significa “santificá-lo”, restituindo-o à gratuidade, à liberdade, ao reconhecimento.

Jesus, como judeu vai se confrontar com a instituição judaica do “shabbat”, mas o Mestre não vai retirar nada da importância do sábado, enquanto dia consagrado a Deus, mas direcioná-lo de modo a voltar à intuição inicial da lei de Moisés como atualização da obra libertadora de Deus.

O ensinamento de Jesus sobre o sábado foi provocado pela transgressão dos discípulos que num dia de sábado vão colher espigas para comer, e Ele próprio na sinagoga num dia de sábado cura um homem da mão atrofiada. O Mestre ante o escândalo dos fariseus traz uma nova interpretação para a vivência do sábado (cf. Mc 2,23-3,6). Ele declara: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Portanto, o Filho do homem é senhor também do sábado.”

Lembra assim Jesus, antes de tudo, que o sábado foi instituído para trazer alegria para o homem, não para escravizá-lo. O ponto de referência a ser levado em conta é o bem do ser humano são as necessidades humanas. Na interpretação de Jesus todas as prescrições são boas e devem ser observadas quando favorecem à vida, ao bem da pessoa humana, do contrário, perdem a sua força normativa. É fundamental que o que é sagrado esteja ao serviço do homem.

Hoje, numa sociedade ou num sistema social que se baseia numa lógica do mercado, o direito ao “descanso sagrado”, ou a um “dia santo” que exclui qualquer trabalho está fora de cogitação. E o cristão corre o risco de não tirar um tempo razoável de descanso, pego pela engrenagem do trabalho que o desgasta, o cansa e não lhe permite pensar noutras coisas…

Corre o risco de viver para trabalhar, em vez de trabalhar para viver e até já não nos escandalizamos, como os fariseus, com os que trabalham aos domingos, aliás, há muitos trabalhos que são feitos aos domingos, como os serviços essenciais, e o que dizer dos que trabalham por turnos? Convém, no entanto, ter em conta aquilo que nos cabe pessoalmente, como cristãos, ou seja, o significado do dia festivo semanal.

Além de dia de descanso, o domingo deveria ser também dia que se deve “santificar”, dia “santo”, dia em que é possível dedicar mais tempo para Deus, um “opus dei”: mais tempo à oração, à meditação, à celebração, à gratuidade e à vida social; recuperando uma relação mais intensa com Deus, com a família, com os amigos, com a solidariedade para com os pobres e com a própria natureza, com a nossa casa comum que devemos cuidar.

A celebração do dia do Senhor pode ser um bom recurso para recuperar a nossa identidade cristã, a participação na Santa Missa na comunidade deveria derivar, mais do que do preceito da missa dominical, da necessidade de encontrarmos os irmãos e da responsabilidade sentida de receber um alimento mais rico: o da fé. De alimentar-se do Pão Eucarístico e experimentar a comunhão dos irmãos em Cristo, necessidade para o cristão, motivo de alegria e assim acontecer a energia necessária para a caminhada.

A experiência dos 49 mártires de Abitene, norte da África, atual Tunísia, no séc IV, pode ser paradigmática para nós cristãos do séc. XXI: foram mortos, porque continuavam se reunindo aos domingos, o que era proibido por lei. Interrogado um deles respondeu: “Nós devemos celebrar o dia do Senhor. É nossa lei”; outro disse:

“Não podemos viver sem Eucaristia, sem celebrar o dia do Senhor”. Portanto, é preciso redescobrir e resignificar o Domingo como dia consagrado ao Senhor na vida dos cristãos, como dia pascal, como dia da reunião dos cristãos.

O Concilio Vaticano II disse nas normas universais sobre o Ano Litúrgico: “Devido à tradição apostólica que tem sua origem no dia mesmo da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra em cada oitavo dia o mistério pascal. Esse dia chama-se justamente dia do Senhor ou Domingo. Neste dia, pois, os cristãos devem reunir-se para, ouvindo a Palavra de Deus e participando da Eucaristia, lembrarem-se da Paixão, Ressurreição e Glória do Senhor e darem graças a Deus que os regenerou para a viva esperança, pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos. Por isso, o Domingo é um dia de festa primordial” (Sacrosanctum Concilium, n.  106).

Por isso para nós cristãos, o Domingo é dia do Senhor Ressuscitado, dia do descanso e da solidariedade, dia da Eucaristia dominical, dia de ação de graças e de louvor, dia de alegria, dia em que lembramos, afirmamos, cremos e confirmamos, com gestos, palavras e cantos que a morte foi vencida pela vida, que a miséria e a opressão um dia vão ter fim, porque Deus ressuscitou Jesus e nos ressuscita junto com Ele. Dia em que na reunião dos irmãos em torno do Senhor Ressuscitado, antecipamos a festa definitiva do Reino.

Padre José Assis Pereira