Temer só a Deus e não aos homens

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O fragmento do Evangelho de São Mateus (cf. Mt 10,26-33) deste domingo é de uma profundidade enorme. Faz parte do discurso apostólico de Mateus, constitui uma espécie de vademecum missionário válido para todos os tempos. Inspirado no que foi a própria missão de Jesus, associa a sorte dos discípulos à de seu Mestre e exemplifica o modelo a seguir por quantos se sentem chamados a continuar na obra da evangelização.

A atividade de Jesus e dos “doze”, seus imediatos seguidores, é assumida agora por toda a comunidade cristã como destinatária direta do encargo deixado por Jesus. À luz do evangelho, como “a lâmpada” que há de iluminar a todos (cf. Mt 5,14-16) superando as estreitas fronteiras do judaísmo.

È dentro deste contexto eclesial de onde ressoa a voz do evangelho de hoje: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido. O que vos digo na escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os telhados!”(v. 27)

O texto incide na necessidade, na obrigação de dar testemunho de Jesus. A radicalidade da verdade do evangelho manifesta-se na pregação e no testemunho. Mas, Jesus previne seus discípulos quanto à perseguição e ao ódio: “sereis odiados por todos por causa do meu nome.” (Mt 10,22) Portanto, anunciar o evangelho não é um encargo fácil, fazê-lo expõe os seus portadores à perseguição.

Jesus exorta seus seguidores que convivem, dia a dia com o medo: “Não tenhais medo!” (v. 26) Se há algo que Ele repetiu algumas vezes, foi: “Não temais!” A mesma palavra saída dos lábios de Jesus em várias ocasiões fazendo-se eco do reiterativo testemunho dos profetas. Quando Jeremias é também chamado a ser profeta de Deus sendo ainda muito jovem, temeroso e assustado, recebe a reconfortadora palavra do Senhor: “Não temas diante deles, porque eu estou contigo para te salvar” (Jr 1,8). É a mesma palavra de apoio e consolo que escutará mais tarde o profeta Ezequiel ante a dura missão que lhe espera: “Não tenhas medo porque eles se opõem a ti e te menosprezam ou porque estás sentado sobre escorpiões. Não tenhas medo das suas palavras, nem fiques apavorado com o seu olhar, pois são uma casa de rebeldes” (Ez 2,6).

Como superar o medo em momentos de prova e perseguição? Os discípulos, vinculados na missão à mesma sorte de seu Mestre, haverão de enfrentar com coragem e firmeza as múltiplas provas inerentes a sua atividade apostólica, aconselhados e preparados por seu exemplo. Que coragem é esta que o evangelho nos propõe a nós cristãos de hoje?

Só a Deus há que se temer, quer dizer, obedecer, acolher e reverenciar sua soberana vontade, sábia atitude de uma fé obediente a sua Palavra. O temor de Deus, principio de sabedoria cristã, afasta e libera a seus enviados de todo e possível temor aos homens.

É o destino reservado aos mensageiros de Deus. Pregar sem medo, pois o medo paralisa. A confiança em Deus tira o temor. A vida cristã e a fé são um bom antídoto contra os medos. Quem tem fé sente-se livre, não teme nada nem ninguém. Ao medo se contrapõe a coragem. O medo não faz parte da atitude cristã. Uma das virtudes que se requer dos discípulos e discípulas de Jesus é a coragem, de modo especial quando se trata de dar testemunho público de sua fé. Sem a coragem o discípulo tenderá a fracassar diante da primeira dificuldade.

Frequentemente o cristão é posto à prova de muitos modos. São múltiplos os medos que nos invadem e aprisionam. No mundo contemporâneo sofisticado e complexo, as pessoas experimentam uma forma de angústia ainda mais radical, a da própria existência. Este mundo lhe parece por vezes uma realidade tão hostil e ameaçadora, capaz de esmagá-lo.

O evangelho se derrama hoje sobre nós como um bálsamo, um verdadeiro remédio para nossos medos. Não há o que temer. O evangelho é uma mensagem que não pode ser apenas proclamado com coragem, com convicção, com coerência, às claras, à luz do dia, “de cima dos telhados”, mas deve ser testemunhado profeticamente a fim de mudar o mundo.

Existem os que tramam tudo na escuridão: utilizam o cochicho, a dissimulação perversa para levar à realização seus interesses mesquinhos. Jesus diz que estes não conseguirão o que pretendem, porque “não existe nada escondido que não seja descoberto”. Os discípulos de Jesus não têm de ocultar nada: “o que escutaram na escuridão há de dizê-lo no claro, e o que escutaram ao ouvido, têm de proclamar de cima dos terraços”.

Frente a um ambiente social pouco favorável à fé e aos valores cristãos, uma das tentações mais frequentes do cristão atual é o “medo religioso” que se disfarça de silêncio cauteloso, prudente ou conivente. O medo produz em uns a inibição ou paralisia, outros a fuga no pietismo; e não falta quem chegue até a esconder ou negar a sua fé. Envergonhar-se de suas próprias crenças, ter medo de se mostrar diferente, é ceder ao pretenso e velho respeito humano.

O nosso tempo também inventou formas de reduzir ao silêncio os discípulos de Jesus: ridiculariza-os, calunia-os, difama-os, corrompe-os, massacra-os com noticiário ou publicidade enganosa. É-nos necessário a homens e mulheres a coragem da paciência e da perseverança na verdade. Há um certo “mundo imundo” que se sente ameaçado e que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter o projeto de Jesus. Como os seus primeiros discípulos também nós andamos assustados, confusos, medrosos, com vontade de desistir, mas necessitamos da coragem de não desanimar diante dos fracassos, decepções ou frustrações.

Tudo que possa acontecer a um discípulo de Jesus está sob seu controle. O Pai cuida dele ou dela, ou seja, a consciência de que estamos nas mãos providentes de Deus Pai: “Quanto a vós, até mesmo os vossos cabelos foram todos contados… (vós) valeis mais do que muitos pardais” (vv. 29-31). A comparação com os pardais avisa da nossa superioridade frente ao resto da criação, mas também indica nossa enorme responsabilidade. Jesus quer ser mediador diante do Pai ao nosso favor. Se Deus provê até os cabelos da cabeça, como não vai preocupar-se dos que são seus porta-vozes na terra? Nada ocorre sem sua anuência. Mas temos de dar o testemunho preciso e oportuno. Isto é sem dúvida, algo que alimenta a nossa capacidade em nos empenhar sem medo na missão de testemunhar Cristo e anunciar o seu evangelho com a própria vida.

Necessitamos uma forte dose de sabedoria e fortaleza do Espírito para saber testemunhar em nosso mundo, com coragem e valentia, a fé que professamos. Nada, nem as dificuldades, nem as perseguições, conseguem calar o discípulo que se confia no cuidado e no amor de Deus Pai. Como disse o Apóstolo Paulo: “Se Deus é por nós quem será contra nós… Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação? A angústia? A perseguição? A fome? A nudez? O perigo? A espada?… Mas, em, todas essas coisas, somos mais que vencedores pela virtude daquele que nos amou”. (cf. Rm 8,31-37).

Por Padre José Assis Pereira