Como ser feliz

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O que é realmente a felicidade? Quem é feliz? Desde o princípio da humanidade, todo ser humano tem buscado conquistar a delicada e frágil felicidade, todo homem ou mulher quer ser feliz. Conseguir realmente ser feliz deveria ser ponto de partida e de chegada da existência humana. Aqui não cabem distinções raciais, geográficas, ideológicas ou sociológicas. Todos desejam a felicidade e em tudo o que fazemos direta ou indiretamente buscamos alcançá-la. Mas, devemos reconhecer, que nem todos os caminhos levam à felicidade, nem toda porta se abre para a felicidade.

As pessoas têm ensejado encontrar a felicidade por diversos e variados caminhos. Também Jesus compartilhou esta realidade humana da busca da felicidade. Muitas vezes, ao longo de sua vida e missão, com seus gestos e palavras, Jesus tocou no tema da felicidade. Porém houve momentos como no inicio da sua atividade pública, tal como é descrito no evangelho de Mateus (cf. Mt 5,1—12) o primeiro de seus cinco grandes discursos em que Ele o tocou de maneira especial.

O “discurso da montanha” começa com as oito bem-aventuranças. Elas dão o tom a tudo o que anuncia. São como o sinal que qualifica toda a atividade de Jesus. Por oito vezes consecutivas, quer dizer, não só com oito repetições, Jesus anuncia a bem-aventurança, a felicidade completa: “Felizes os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus. Felizes os mansos, porque herdarão a terra. Felizes os aflitos, porque serão consolados. Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. Felizes os puros de coração, porque verão a Deus. Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus…”

Ao ouvir estas bem-aventuranças, talvez fosse melhor calar, não dizer mais nada, fazer silêncio e pensar que estamos entre aquelas pessoas que estavam escutando o Mestre naquela montanha, perto do mar da Galiléia. Suas palavras ressoam hoje nos quatro cantos da terra e nos fazem pensar e nos questionar: Como entender essas bem-aventuranças?

Jesus apenas não as pronunciou. Antes de descrever o cristão ideal, elas delineiam a própria figura de Jesus, descrevem-no o seu comportamento e as suas opções. É natural por isso que, se quisermos entender as bem-aventuranças corretamente, devemos lê-las à luz do comportamento do Mestre. As bem-aventuranças nos oferecem uma síntese de toda a vida e missão de Jesus.

Bento XVI na sua obra, “Jesus de Nazaré” ao falar das bem-aventuranças disse que elas “são, no fundo, uma anterior biografia escondida de Jesus, um retrato da sua figura. Ele, que não tem onde reclinar a sua cabeça (Mt 8,20), é o verdadeiro pobre; Ele, que de si pode dizer: vinde a mim, porque Eu sou manso e humilde de coração (cf. Mt 11,29), é o verdadeiro manso; Ele é quem é puro de coração e, por isso, vê permanentemente Deus. Ele é o construtor da paz, aquele que sofre por causa de Deus: nas bem-aventuranças aparece o mistério de Cristo, e elas nos chamam para a comunhão com Cristo.”

Jesus é o primeiro “bem-aventurado”, foi feliz de acordo com o programa das bem-aventuranças que proclamou. Foi feliz porque realizou em si a perfeição humana, “homem perfeito e perfeito homem”, ajustou sua vida ao que o Pai queria dele. Nós seremos incapazes de consegui-lo por nós mesmos, pois em nós existe o “inumano”, quer dizer, o pecado. Jesus tem consciência que a felicidade total em nossa vida terrena não existe. Aqui nós temos que nos conformar com uma felicidade sempre limitada, parcial, mesclada com tristezas.

As bem-aventuranças têm em Mateus um caráter solene e universal, dirigidas a todas as pessoas e a todos os tempos, não apenas aos ouvintes imediatos. Elas condensam a grande novidade do Evangelho, em contraste flagrante com o próprio pensamento religioso judaico então vigente, para já não falarmos do espírito mundano e hedonista do paganismo de então e do de agora. Elas não são a expressão de qualquer espécie de ressentimento dos pobres em face dos poderosos e dos ricos, mas são antes um grito de protesto e de provocação lançado ao conceito de felicidade baseada na posse das riquezas, na delícia dos prazeres, na força, no poder e na fama. Elas são um ideal de vida, uma ética que, quando vivida a sério, é capaz de renovar as pessoas e a sociedade.

As bem-aventuranças não são um código ético, são oito valores morais que têm de ser vividos, a partir do encontro com Jesus e do seu seguimento, através da intimidade com Ele. A felicidade consiste no seguimento de Jesus, pobre, aflito, manso, faminto e sedento, misericordioso, puro, pacificador, perseguido.

Fica claro, Jesus quer para cada ser humano a felicidade. Uma felicidade que não podemos reservar para o céu. Temos que adiantar o céu, mesmo que de maneira imperfeita, evidentemente, já aqui na terra. A mensagem não é, pois, ser infeliz na terra para ser felizes no céu e quanto mais infelizes aqui mais felizes lá. A felicidade não está na pobreza, na perseguição, mas no seguimento de Jesus.

A felicidade humana é uma utopia, não uma ilusão. É ilusão, quando nos iludimos, nos esquecendo de como é nossa condição humana, nos enganamos prescindindo de nossas limitações, nossos impulsos não poucas vezes inumanos, e queremos aqui e agora, a todo custo a felicidade plena, como se em vez de seres humanos fossemos seres angélicos. É utopia nunca alcançada aqui a plenitude da felicidade, mas viver é caminhar até ela, dia a dia, superando o que atenta contra o que nos faz felizes.

É humana por outra razão essencial, a felicidade nunca pode consistir em um modo de ser e atuar que contradiga o que nos constitui como seres humanos; por isso caminhar até a felicidade, é caminhar para nossa perfeição humana: não podemos ser felizes esmagando o outro, ou desprezando-o, ou ainda crendo que tudo tem que estar em função de nossos instintos, vontades e prazeres a todo custo.

A felicidade tem que ser uma felicidade social, que implique a felicidade do outro. Uma velha canção católica diz: “Como posso ser feliz se ao pobre meu irmão, eu fechei o coração, meu amor eu recusei?” Não podemos ser felizes sendo indiferentes ante a dor do outro. Seremos felizes na medida em que nosso coração estiver limpo de ódios, invejas e mentiras interesseiras…

O ser humano é essencialmente social, comunitário, o outro pertence a seu ser, porque social é seu viver, é conviver realizando sua pessoa e construindo comunidade humana. Com essas premissas é como temos que entender as bem-aventuranças.

Não podemos por a felicidade na vitória sobre o outro, mas sim na convivência, sem vencidos nem vencedores, em esforçar-nos pela paz que nos faz e faz aos outros seres humanos e felizes. E mais, seremos felizes ainda que a sociedade não entenda esse programa de vida que nos oferecem as bem-aventuranças, nos despreze por “infelizes”, seres de outro mundo, não realistas: “Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos céus a vossa recompensa”.

Padre José de Assis Pereira