Cristo única força contra o mal

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O tempo comum da liturgia é o tempo da cotidianidade e da vida comum. Percorreremos como um programa de catequese dominical as perícopes principais do Evangelho de São Marcos e perpassaremos concomitantemente aspectos importantes de nossa vida pessoal e eclesial.

Temos consciência de que o ser humano é um ser dividido, fragmentado, envolvido ao mesmo tempo de graça e de maldade. Todos temos esta experiência profundamente humana.

O livro do Gênesis (cf. Gn 3,9-15.20) nos coloca diante da fragilidade da condição humana. Conforme o relato bíblico da criação, Adão, não teria decidido por si só se rebelar contra Deus. Ele jamais teria ousado desobedecer os preceitos divinos se não fosse provocado externamente, uma força exterior agiu no homem para pôr em ação as possibilidades de mal que estavam nele. Assim a presença misteriosa, mas real, do tentador se faz sentir desde as primeiras páginas da Bíblia.

Na narração do primeiro pecado aparece com toda a sua dramaticidade aquilo que constitui a essência mais intima e mais obscura do pecado: a desobediência a Deus, à sua lei. Exclusão de Deus, ruptura com Deus, desobediência a Deus: é isto o que tem sido, ao longo de toda a história humana, e continua a ser, sob formas diversas, o pecado, que pode chegar até à indiferença ao seu amor ou negação do próprio Deus e da sua existência.

A luta entre o bem e o mal, que acompanha o ser humano desde o paraíso terrestre (cf. Gn 3,5) traz como maior expressão do mal o próprio demônio, autor e princípio de todo pecado. Para expressar a decisão do homem entre o bem e mal, a Sagrada Escritura, em suas primeiras páginas, usa uma linguagem figurada, que só se tornou clara com a vinda de Jesus. Com o nome de satanás ou de diabo a Bíblia designa um ser pessoal, invisível, mas cuja ação se manifesta pela atividade de outros seres ou pela tentação.

O demônio ao longo da história da humanidade tem continuado com suas artimanhas a seduzir a humanidade. Frente a tanto engano, logo após a primeira queda, Deus, prometeu Alguém, que da descendência da mulher, haveria de esmagar a cabeça da serpente enganadora. E a promessa foi cumprida, a vitória da humanidade sobre satanás será Cristo, Redentor da humanidade, alguém mais forte que satanás.

Os evangelhos apresentam a vida pública de Jesus como uma luta contra satanás. Tudo começa com o episódio da tentação em que, pela primeira vez, depois da cena do paraíso, um homem, representante da humanidade, se encontra face a face com o diabo. Esta luta se abre com as libertações dos endemoninhados. Eles provam que chegou o Reino de Deus (cf. Mc 3,22s) e que terminou o de satanás.

No Evangelho de São Marcos (cf. Mc 3,20-35) Jesus volta para casa e sente o ambiente tenso em que ele já não é bem-vindo. Sua pregação pela Galileia gera atitudes contraditórias em dois grupos bem distintos: sua família e os fariseus.

Seus familiares que o conhecem acham que Jesus foi longe demais e que deve desistir de sua missão (v.21), querem levá-lo de volta para Nazaré, pois julgam que ele está fora de si, que ele “enlouqueceu”. Mas, a cautela dos familiares vem tarde demais; os escribas inquisidores vieram de Jerusalém para levantar acusações contra o Mestre disseram que Ele “está possuído por Belzebu”, pelo demônio, está possesso (v. 22) e se realiza obras extraordinárias, conta com a sua ajuda.

Absurdo! Contesta-lhes Jesus. Segundo Ele a acusação caluniosa dos escribas à sua pessoa constitui uma blasfêmia contra o Espírito Santo, com cuja força ele expulsa os demônios: “Tudo será perdoado aos filhos dos homens, os pecados e todas as blasfêmias que tiverem proferido. Aquele, porém, que blasfemar contra o Espírito Santo, jamais será perdoado: é culpado de pecado eterno”. (vv. 28-29) Negar que Jesus tenha o poder de vencer as forças do mal, negar-lhe seu poder divino e redentor, opor-se à sua obra salvadora é ‘blasfemar contra o Espírito Santo. Espírito Santo aqui não é o próprio Cristo como Filho de Deus, sua divindade.

Quando se nega a divindade de Jesus, nega-se também seu poder de perdoar, por isso mesmo, anula-se o perdão que Deus pode dar à criatura. Não é que haja pecados que Deus não possa perdoar. Sua misericórdia é e será sempre infinita. Cristo é a encarnação da misericórdia divina. Mas Deus não pode perdoar a quem não quer o perdão e nega seu poder de perdoar.

Não há pecado pessoal ou original que não possa tornar-se história de salvação, graças Aquele que veio curar os doentes do corpo ou do espírito. Jesus é o redentor e o salvador de todos e de cada um, de cada pecado e de todos os pecados. Há um só obstáculo capaz de se opor à ação universal e redentora de Cristo: a recusa em reconhecê-lo como Redentor, ou então não reconhecer a nossa necessidade dele. Este é o pecado contra o Espírito Santo. Só a fé nos consente reconhecer o nosso pecado e nos dá a possibilidade da salvação.

São muitos os cristãos que não creem mais na existência de satanás. A experiência que fazem da tentação não lhes parece postular a existência de potências demoníacas. A personificação do mal, dizem, pertence a uma época ultrapassada, na qual o homem se considerava joguete das forças cósmicas. A mitologia popular de antigamente não é mais levada em conta hoje, o que se chamava possessão diabólica é um dos muitos traumas que a psicologia procura explicar. Por outro lado é cada vez mais evidente a dificuldade com que os teólogos modernos falam de satanás e das potências do mal.

Mas as perícopes evangélicas em que dele se fala com tanta convicção e tão explicitamente convidam-nos a refletir; além disso, a experiência que cada pessoa tem do pecado a obriga a dizer que cedeu às tentações porque o mal se acha objetivamente dentro da realidade, antes que a pessoa nela consinta por um ato de sua livre vontade. Isto significa que, pecando, o homem tem a consciência de se tornar parte ativa de uma solidariedade no pecado, preexistente a ele, e que inclui também outras criaturas espirituais além do homem.

Mas, a vida do cristão começa com a vitória radical sobre o mal e sobre satanás no Batismo. Estende-se a atualiza-se continuamente na participação dos outros sinais da vitória de Cristo, os outros sacramentos. Toda a vida do cristão se torna, como de Cristo, uma luta, um duelo com o mal e as potências do maligno.

Optemos por Cristo, optemos pelo amor que é a única força eficaz contra o mal.

Por: Padre Assis