Quem tem ouvidos, ouça!

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A liturgia deste Domingo se move entre essas duas importantes verdades: A eficácia ou a força da Palavra de Deus (a semente) e a necessidade de um terreno bem preparado para acolhê-la, a escuta da Palavra.

O Senhor hoje nos diz pela boca do profeta Isaías: Acreditem a minha Palavra é eficaz! “Como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a terra, e fazê-la germinar e dar semente, para o plantio e para a alimentação, assim a Palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia.” (cf. Isaías 55, 10-11)

O profeta garante-nos que a Palavra de Deus é fecunda. Ela dá-nos esperança, indica-nos o caminho que devemos percorrer e dá-nos o ânimo para intervirmos no mundo. É sempre eficaz, nunca falha e produz sempre efeito. Para expressar essa ideia, o profeta utiliza uma imagem tomada da vida do campo, o exemplo da chuva que fecunda a terra e produz uma colheita abundante, assim a Palavra é como essa água bendita descendo do céu, não retorna sem produzir fruto.

Jesus Cristo é a Palavra eterna do Pai que se fez carne, que se fez vida. Ele é esta chuva fecunda, “água viva”, que não volta ao Pai sem ter cumprido a sua missão. Ele é a semente, o grão caído na terra, “se o grão de trigo que cai na terra não morrer permanecerá só; mas se morrer produzirá muito fruto”. (Jo 12,24) Por sua morte e Ressurreição Ele nos revelou a Palavra viva do Pai, o seu amor e nos envia seu Espírito para levar ao cumprimento o plano de salvação em seu corpo que é a Igreja.

Se a Palavra de Deus não cumpre a promessa que o Senhor nos faz pelo profeta Isaías, a culpa não está do seu lado, mas do nosso. O Senhor disse a Israel: “Shemá Yisrael”, ouve Israel! (cf. Dt 6,4) Esse é um dos primeiros desafios para o povo de Deus: “Não fecheis o coração; ouvi vosso Deus” (Sl 94). É o mesmo Senhor que hoje nos chama a atenção na parábola do semeador: “Quem tem ouvidos ouça!” (cf. Mt 13,1-23)

“Saiu o semeador a semear…” O maravilhoso desta parábola é que não obstante as adversidades do terreno e de não oferecer garantias de colheita, o semeador lança sua semente. Quando da colheita se confirmará que o semeador tinha razão em semear com generosidade. Era preciso não economizar esforço algum e aproveitar com inteligência o tempo disponível. Na realidade, o semeador não pode deixar de semear. É aqui onde se revela a profundidade de vida de tantas pessoas que não se concedem descansar em seu labor apostólico e pastoral.

Há pessoas que ante as dificuldades do tempo presente se fecham, perdem o animo do trabalho

pastoral, se deixam arrebatar pelo medo. Hoje somos convidados ao contrário: a confiar na eficácia da Palavra. Sim, a Palavra de Deus, em si mesma é fecunda e eficaz, mas sua eficácia não depende só da carga salvífica que leva dentro de si. A Palavra só pode atuar como tal quando é semeada no terreno bom, no coração das pessoas.

Como esta Palavra é semeada? Normalmente através da leitura, da escuta, ou da meditação. A Bíblia, sobretudo o Novo testamento, algum livro de formação espiritual, as homilias, os retiros, os acontecimentos da vida, a própria natureza, tudo pode converter-se para uma pessoa piedosa e atenta em Palavra de Deus, em mensagem de salvação. E ao contrário, nada é palavra de salvação para aquela pessoa que se nega a escutá-la, ou se nega a levar à prática o que a Palavra de Deus lhe diz, ou até é capaz de escutar, mas logo a esquece, ou a escuta e trata sempre de entendê-la segundo seus próprios interesses pessoais e não segundo os interesses de Deus.

A “parábola do semeador” deve servir-nos para examinar nossa capacidade de escuta: “Quem tem ouvidos para ouvir ouça!” Os diferentes tipos de terreno da parábola são as diferentes formas de ouvir esta Palavra, a maneira como a ouvimos, ou melhor, a nossa capacidade de escuta, pois temos dificuldades de audição, nossos ouvidos perderam a capacidade da escuta verdadeira, disse-nos Jesus na explicação da parábola: “O coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração… Felizes sois vós porque vossos olhos veem e vossos ouvidos ouvem”. (vv. 15-16)

Esta parábola convida-nos espontaneamente a fazermos um exame da própria vida: Que tipo de terreno sou eu? Que tipo de ouvinte sou eu? Que terreno ofereço à semente que Deus põe em meu coração?

Esta Palavra é um chamado à conversão, temos que acolhê-la como uma semente em nosso coração, intentando que deite raízes profundas. Não devemos ser um terreno duro, quer dizer, pessoas que não se deixam tocar e alcançar pela mensagem. Não devemos ser um terreno só superficialmente cultivado, quer dizer, pessoas que se deixam interpelar no inicio, mas cujo interesse desaparece em seguida. Tampouco devemos deixar lugar para espinhos: tudo o que normalmente cresce, se move e se difunde em nós pode facilmente ser mais forte e poderoso e pode chegar a sufocar e suprimir a fé em Deus como único Senhor e a disponibilidade à conversão.

Há tantos perigos para a boa semente! Sem duvida só há uma acolhida adequada. Nem as pressões que venham de fora, como incompreensões, perseguições, nem as ameaças que venham de dentro, como as aspirações ou desejos contrários a Deus, podem sufocar a fé e a conversão.

Decidamos com sinceridade ser bom terreno, terra boa a cultivarmos nossa alma, tirando pedras e espinhos, quer dizer, paixões desordenadas, inclinações para o mal, vícios e pecados. E preparemos o terreno com a graça e virtude. Questionemo-nos se a Palavra de Deus que escutamos tão frequentemente produz em nós algum fruto? Frutos de vida cristã? Produz cem, sessenta ou trinta por cento? Não se trata só de escutar, ou de rezar, ou de ler de vez em quando o Evangelho, ou de levar uma vida mais ou menos cristã. Para um bom cristão, escutar a Palavra de Deus deve levá-lo ao seguimento radical de Cristo, até identificar-se espiritualmente com Ele, apesar de todas as dificuldades e obstáculos, psíquicos e sociais.

Inclinemos o ouvido do coração e escutemos esta parábola do semeador com atenção e meditemo-la com humildade, pedindo a Deus que nos dê um coração dócil para receber eficazmente sua Palavra.

E não nos cansemos de ser bons agricultores dos campos divinos, não nos cansemos de preparar o caminho para que a boa semente do Evangelho tenha uma digna acolhida no coração das pessoas.

Por Padre José Assis Pereira