Triunfa a vida

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O relato da reanimação do filho da viúva da cidade de Naim do Evangelho de São Lucas (cf. Lc 7,11-17) tem uma estreita relação com o relato do Livro dos Reis (1Rs 17,17-24). Dois personagens se encontram em uma situação semelhante. Duas viúvas que perdem seus únicos filhos: o fazer reviver os jovens. Deus quer a vida, por isso devolve a respiração ao filho da viúva que havia hospedado o profeta Elias em sua casa.

Jesus se confronta com a morte e a vence. O jovem filho da viúva volta à vida. Ele disse que veio para que todos tenham vida em abundância (Jo 10,10). Esta vida que Cristo traz e quer não é só uma vida para além, mas também uma vida no mundo pensado e criado para todos, e onde todos tenham direito a encontrar seu lugar. Trabalhar em favor da vida é um desafio de nosso mundo a todas as pessoas, sobretudo os cristãos.

São Lucas descreve um providencial encontro de duas multidões ou procissões: a alegre procissão da vida que entra na cidade, formada por aqueles que seguem a Jesus, “seus discípulos e numerosa multidão” (v.11), e a triste procissão da morte, “levavam a enterrar um morto, filho único de mãe viúva.” (v.12)

As duas “multidões” se encontram à porta da cidade. É fácil perceber a quem representam estes dois cortejos que se cruzam: o primeiro representa a comunidade cristã, radiante porque está junto do seu Senhor, que a conduz para a Vida; o segundo é símbolo da humanidade que ainda não encontrou Cristo: está caminhando para o cemitério, lugar de morte e a considera como uma derrota irreparável. Nesse momento, Lucas mostra a grandeza da misericórdia do Pai manifestada por Jesus.

O Senhor, ao ver aquela desolada mãe que chorava a morte de seu filho, e ninguém sente tanto a morte como aquela que gera a vida: “O Senhor, ao vê-la, ficou comovido e disse-lhe: ‘Não chores!’” (v.13) Cristo disse essa palavra de consolo de maneira muito diferente do que haviam feito outras pessoas. É a compaixão que move Jesus a falar e agir. Compaixão significa literalmente “sofrer com”, assumir a dor da outra pessoa, identificar-se com ela, sentir com ela a dor. É a compaixão que põe em ação em Jesus o poder da vida sobre a morte, o poder criador.

A característica central de Deus para com os seres humanos, para com seus filhos e filhas, é a compaixão, sua misericórdia diante de todas as dores e misérias humanas. Deus estremece diante da dor humana. Como Pai, Ele sofre com os que sofrem, sente ternura, compaixão, empatia com o sofredor e a misericórdia enche seu coração. Deus se deixa tocar pelo sofrimento humano.

Nesse “não chores” de Jesus está a voz comovida do Pai e nos mostra como é Deus. Aquele que tem piedade, que se compadece, que sente compaixão da dor e do sofrimento humano e é um Deus mais humano que os próprios homens, um Deus que intervém para que a dor e a morte não tenham a última palavra na vida. Não fica quieto e alheio, mas sim movido pela compaixão, age. O amor de Deus por seus filhos lhe move a levar-lhes vida.

“Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então Jesus disse: Jovem, eu te ordeno, levanta-te!’ O que estava morto sentou-se e começou a falar. E Jesus o entregou à sua mãe.” (v.13-15) Os que estavam conduzindo o defunto pararam surpresos, percebendo que algo de inusitado ia acontecer, uma vez que só a eles era permitido esse gesto, pois reputava-se imundícia nos homens tudo quanto estava corrompido ou exposto à corrupção. No entanto, nosso Senhor não teve receio algum de tocá-lo. Com voz imperiosa, deu ao morto a ordem de se levantar.

Este episódio não é um acontecimento do passado que recordamos hoje. A intenção do evangelho não é a de suscitar lembrança, mas sim nos ajudar a experimentar melhor, no hoje de nossa vida, a presença viva de Jesus, vencedor da morte e da dor da morte. Ele segue caminhando conosco e, diante dos problemas da dor que nos mata, nos diz: “Eu te ordeno, levanta-te!”

Há muitas formas de morte que o ser humano enfrenta além da morte física. Muitos tipos de sofrimento cabem debaixo do sentido profundo da morte: a marginalização, o medo, a desigualdade, a injustiça, a angústia… A morte além de ser a perda humana, tem outros rostos. Muitas formas de morte e de dor nos cercam, além das impostas pela natureza: Há hoje multidões de “mortos vivos”: são os parados, acomodados, cujos olhos refletem a desesperança e a angústia de não ter acesso ao trabalho a que têm direito; são os drogados, jovens ausentes, incapacitados, metidos de cheio em um beco sem saída, manipulados por outros, que sustentam o tráfico de drogas esse negócio de morte; são os analfabetos, marginalizados de tantas belas realidades; são os que não têm lar; são os que matam não se sabe por que, para que ou por quem; são os enfermos a quem ninguém os visita, os que se isolaram porque já não são úteis neste mundo; são os menos válidos, os portadores de deficiências mentais; são os jovens que vão para os países desenvolvidos em busca de trabalho prometido e ali são obrigados a vender-se, a prostituir-se…

Diante dessa multidão que acompanha este “enterro” cabe a possibilidade do desespero e da angústia. Não ver saída, não saber como nem o que fazer… Mas cabe optar também pela esperança. Para aquele que tem fé não está nada dado por perdido. A atitude do cristão, a atitude que mostra Jesus, a mensagem de sua vida, de sua Ressurreição é precisamente essa: a morte, a dor, o sofrimento não são absolutos. Não são minimizáveis, e seria irresponsável e inumano fazê-lo. Mas, a vida vence a morte. O bem está acima do mal. A vida tem a última palavra, sempre. Ainda que o mal exista, o bem, ao final, triunfará.

Cada um de nós, de algum modo somos aquele “jovem morto” a escutarmos a voz de Jesus que nos diz: “Levanta-te!” Levanta-te do egoísmo, e abre-te para os outros; levanta-te de pensar tanto em ti mesmo e pensa mais nos outros; levanta-te do pessimismo que te faz pensar que não vale a pena esforçar-se, que tudo continuará igual, e crê de verdade na força do amor de Deus que pode mudar-nos, ressuscitar-nos.

Jesus nos mostra enfim, que ante a morte e a dor se pode e se deve fazer algo para combatê-las. Que nossas mãos sejam as mãos que têm Deus para continuar levando a vida ao mundo, para intervir frente a dor e a morte. Obviamente longe de nós está o devolver a vida com um milagre, mas sim levar vida e esperança às situações de morte, de sofrimento e dor que cotidianamente nos rodeiam e das quais somos às vezes meros passivos espectadores ou apenas carpideiros. Jesus caminha conosco e vivifica nosso caminho. A vida com Deus se enche de vida.

Padre José Assis Pereira