Amor, nossa identidade cristã

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A liturgia deste Quinto Domingo da Páscoa nos recorda mais uma vez o mandamento do Amor recolhido no discurso de Jesus em sua última ceia, tal como nos relata o evangelista João (cf. Jo 13,31-33a.34-35). Ressuscitou aquele que fez de sua Paixão e Morte na cruz ocasião de amor maior e continua a nos amar com Amor sem limites, universal e misericordioso.

“Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei” (v. 34). É certo que o amor a Deus e ao próximo já estava na Lei de Moisés, presente na tradição bíblica; neste sentido não era novidade, também muitos filósofos falam de “filantropia” e de um amor devido a cada ser humano. A novidade do mandamento de Jesus está na forma de amar que lhe é própria: “Como eu vos amei”.

O novo é amar ao estilo de Jesus. Amar como Ele, modelar todas as nossas ações segundo a sua infinita generosidade. Poder amar como Jesus, com uma paixão tipicamente divina: isto é o que torna “novo” o seu mandamento.

“Como eu vos amei” é a porta aberta que Jesus nos oferece. É como se nos dissesse: “O que eu pude fazer, vós podeis fazer também”. Ter a mesma paixão que Ele, manter aberta mente e coração para acolher e amar a todos indistintamente. À luz do Amor divino, que se revelou no divino Salvador, somos chamados a, seguindo o exemplo de Cristo, pormos em prática o mandamento novo.

São João Maria Escrivá disse: “Tenho pensado muitas vezes que, passados vinte séculos, ainda continua a ser um mandamento novo, porque poucos homens se têm preocupado em levá-lo à prática”. Então, como podemos concretizar este Amor? Jesus exemplifica-o na descrição do “juízo final” (cf. Mt 25,35ss) “Tive fome… tive sede… era peregrino… estava nu… estava doente… estava preso”.

“Não podemos escapar às palavras do Senhor, com base nas quais seremos julgados: se demos de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; se acolhemos o estrangeiro e vestimos quem está nu; se reservamos tempo para visitar quem está doente e preso. De igual modo nos será perguntado se ajudamos a tirar a dúvida, que faz cair o medo e muitas vezes é fonte de solidão; se fomos capazes de vencer a ignorância em que vivem milhões de pessoas, sobretudo as crianças desprovidas da ajuda necessária para se resgatarem da pobreza; se nos detivemos junto de quem está sozinho e aflito; se perdoamos a quem nos ofende e rejeitamos todas as formas de ressentimento e ódio que levam à violência; se tivemos paciência, a exemplo de Deus que é tão paciente conosco; enfim, se, na oração, confiamos ao Senhor os nossos irmãos e irmãs. Em cada um destes ‘mais pequeninos’ está presente o próprio Cristo”. (Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização)

O modelo desse Amor é o próprio Deus Pai: “Sede misericordiosos como é misericordioso o vosso Pai que está nos céus” (Lc 6,36). Que outra legitima ambição podemos alimentar, enquanto discípulos do Senhor e como Igreja, senão a de sermos reconhecidos discípulos daquele que encontra a sua glória em doar-se totalmente, incondicionalmente?

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros”. (v. 35) Este é o sinal para ser conhecidos como suas testemunhas, credíveis, se nos amarmos uns aos outros com todas as consequências, como o fez o Mestre, até dar a vida pelos amigos se for necessário. Esta é a consequência e a novidade da Páscoa.

Ser a Igreja “casa do Amor” como Jesus sonhou, pois onde não circula o amor não existe Igreja. Ver esta Igreja de quase dois bilhões de crentes em Jesus dividida em tantas igrejas, contemplar a mesma Igreja Católica com falta de fraternidade, com grupos que querem se impor sobre outros, com irmãos que se transformam em chefes e juízes dos outros, com ares presunçosos e discriminadores…, ver uma Igreja assim não é contemplar a “casa do Amor”, a casa da Misericórdia, uma Igreja sem portas, isto é uma Igreja mais preocupada em acolher o outro e de sair às periferias existenciais e sociais.

“Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos”. Sem esta marca somos produto adulterado, propaganda enganosa. Amor, aí está a marca, o sinal de reconhecimento, e, portanto não apenas um instrumento estratégico para conquistar para a sua causa. O Amor, que não é apenas sentimento bonito ou carga romântica da vida, mas o Amor que é buscar o bem do outro. Este Amor (“ágape”) é totalmente desinteressado, liberto de egoísmos e exigências de gratificação e de correspondência, porque tem uma marca tipicamente divina. De fato é, antes de mais, prerrogativa de Deus, de Jesus: “Como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros” (v. 34).

Portanto, nos é proposta essa experiência de Amor. Somos chamados a nos exercitar na capacidade da gratuidade. Em um mundo onde tudo se paga, onde nada é gratuito, o cristão é chamado a introduzir a gratuidade do amor “ágape”, em suas relações; em que se ama por nada, por causa de nada.

O Amor como a fé, constitui o ser ou não ser do cristão. Não é qualquer gesto de filantropia, gesto caritativo que distingue o cristão, nem um amor genérico. O que diferencia radicalmente o cristão não é pertencer a uma igreja ou uma confissão religiosa com os seus dogmas e tradições doutrinais, sua organização, leis e instituições, suas celebrações cultuais; entregar dízimos e esmolas, trazer consigo objetos religiosos como cruzes, imagens e estampas, ou tê-los em casa; e ainda menos, uma ideologia política própria ou comportamento socioeconômico. Não. Tudo isso são “sinais” daquele que crê, mas não é o “sinal” indicativo. O amor que Deus Pai nos tem em Cristo é o que nos constitui pessoalmente cristãos. E o que nos identifica como tal perante os outros, segundo Jesus, é o seu Amor que comunicamos aos outros.

Só nos diferenciamos dos outros se amarmos gratuitamente, servindo, perdoando, dedicando aos outros nossa atenção, nosso tempo, compreendendo-os nas suas tristezas e alegrias, limpando do nosso estilo de ser e agir todo egoísmo, desprezo, prepotência e o esquecimento. É preciso que deixemos penetrar em nós o Amor de Deus e amemos, não em palavras, mas com ações e de verdade.

“Amados, amemo-nos uns aos outros, pois o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conheceu a Deus, porque Deus é Amor… Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós.” (1Jo 4,7-8.13) Onde quer que haja um homem ou uma mulher que ame outros irmãos por Cristo; que viva, testemunhe e pratique o mandamento do Amor, aí está um cristão. Não podemos inventar outro sinal diferente daquele que nos marcou: amar como Jesus amou.

Pe. José Assis Pereira