Uma mulher no céu foi vista

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Uma mulher no céu foi vista

Conta uma antiga tradição judaica que, quando Jerusalém foi destruída pelos exércitos da Babilônia, o profeta Jeremias retirou a “Arca” que guardava as tábuas da Lei e escondeu-a em algum lugar secreto. Desde então não se voltou a ter nenhuma notícia dela. São João, o vidente do Apocalipse (cf. Ap 11, 19a.12,1-6a.10) conta-nos que a viu no céu: “Abriu-se o Templo de Deus que está no céu e apareceu no Templo a arca da Aliança.” (v.19)

A liturgia hoje nos permite fazer esta experiência, contemplar Maria, vê-la no interior do espaço divino como a “Arca” que contém Deus. É Maria a “Arca da nova Aliança”, a portadora de Cristo, em cujo seio o Filho de Deus, a Palavra de Deus feita carne, habitou e que, com a sua assunção aos céus, encontrou a sua morada definitiva no seio da Santíssima Trindade.

Na Ilha de Patmos, em seu desterro, São João contempla visões grandiosas que logo transmite aos cristãos de sua comunidade, perseguidos pela crueldade do imperador romano e seus adeptos: “Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Então apareceu outro sinal no céu: um grande Dragão…” (vv. 1-4) Como João, também os cristãos perseguidos necessitavam o consolo daquelas revelações que anunciavam esperança de um novo tempo, um novo céu e uma nova terra, a grandeza e o poder do Senhor.

O céu se abre para mostrar “um grande sinal”, um desses numerosos “sinais” da linguagem do autor do IV Evangelho e do Apocalipse. É uma coisa curiosa que no IV Evangelho, no primeiro “sinal” que Jesus realiza nas bodas de Caná (cf. Jo 2, 1-12) ou no último sinal, apareça a figura da “mulher”. Em Caná intercedendo pelos noivos e no Apocalipse enfrentando o dragão. Em ambos os sinais sua intervenção é providencial. O que hoje nos sugere a Igreja é que contemplemos a figura rutilante da mulher, enfrentando o dragão, certa de sua vitória.

A Igreja sempre interpretou a imagem desta “mulher”, ora como Israel, ora como a Igreja ou também como Maria, a filha dessa Igreja libertada e salva. A “mulher” do Apocalipse reúne todas as esperanças da humanidade, toda nossa história de ilusões e desencantos, todo o caminho que a humanidade realizou desde o princípio com seus acertos e dificuldades.

As mulheres de Israel sentiam-se honradas e estimadas pelos filhos que tinham. Este povo, orientado para o futuro pelas promessas que lhe haviam sido feitas, exultava nos descendentes e esperava tudo daquele que tinha que vir. Daí a felicidade e a glória de todas as mães de Israel e a profunda pena das mulheres estéreis que não podiam dar a luz. Se Maria é a que leva em suas entranhas o que tinha que vir, o Messias prometido, o Bendito, é por isso mesmo a mais bendita entre as mulheres.

O Evangelho de São Lucas (cf. Lc 1, 39-56), mostra-nos Maria, grávida, em movimento: deixando a sua casa de Nazaré para ir à casa de Zacarias e Isabel que estavam à sua espera, mas Lucas orienta-nos a compreender que esta expectativa remete para outra realidade mais profunda. Zacarias, Isabel e o pequeno João Batista são, efetivamente, o símbolo de toda a esperança de Israel pela vinda do Messias Salvador. Maria carrega em seu ventre o Eterno desde sempre esperado. Mal ouvida a saudação de Maria, Isabel a recebe com um abraço, abraçam-se o Antigo e o Novo testamento, promessa e cumprimento, espera e realização e com um canto exaltando a fé de Maria. E é o Espírito Santo que abre os seus olhos e a leva a reconhecer em Maria a verdadeira “Arca da Nova Aliança”: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar?”(vv. 42-43) E aí contemplamos o “Magnificat” (cf. Lc 1,46-55) o cântico-oração da Virgem Maria.

Não há em toda a Escritura outra oração que ofereça uma tão grande transcendência profética. É um cântico de “mulher”, forte, penetrante, espiritual e teológico. É um canto a Deus, não se trata de uma oração egocêntrica de Maria. Lucas quis mostrar-nos com este canto uma jovem apaixonada de Deus, depois do que passou na Anunciação (cf. Lc 1,26-38). Ela entrega a Deus seu sonho, sua maternidade, seu amor, sua pessoa. Ela é plenamente entregue à causa de Deus.

No seu cântico Maria devolve a Deus o louvor, o elogio que recebe de Israel. Deus é o que merece toda honra e toda glória, o poderoso que fez maravilhas em sua serva. Mas, esse deus não é um deus neutro e indiferente, mas sim, um Deus dos pobres.

É um cântico, sobretudo de esperança nas maravilhas que realizou o Senhor em Maria, esta reconhece o estilo ou o modo de atuar do Senhor na história da salvação da humanidade. É a reação entusiasmada da pessoa que tem experimentado como Deus cumpre sua Palavra. A partir de sua experiência concreta, Maria descobre que o cumprimento da palavra por parte de Deus está na base de existência mesma do povo. Maria irrompe em gritos entusiasmados de ação de graças Àquele que faz possível a maravilha de um mundo diferente. Confessa que Deus se contenta em subverter a ordem estabelecida pela injustiça dos ricos, dos orgulhosos, dos dominadores deste mundo, e que isto o faz enaltecendo aos mais humildes. O Senhor humilha, desbarata e despoja os senhores deste mundo e exalta, engrandece e enche de bens aos pequenos, aos famintos, aos pobres e explorados.

O mistério da Assunção da Santíssima Virgem ao céu nos convida a fazer uma pausa na agitada vida que levamos para refletir sobre o sentido de nossa vida aqui na terra, sobre nosso fim último: a Ressurreição e a Vida Eterna. Saber que Maria foi ressuscitada por Deus e já está gloriosa no céu em corpo e alma, como se nos prometeu, nos renova a esperança em nossa futura imortalidade e felicidade perfeita para sempre. Nela já se realizou plenamente o que esperamos um dia viver também nós.

Ao celebrarmos a glória de Maria, cremos que ela está junto de Jesus, glorificada por inteiro. Deus assumiu e transformou a sua história, suas ações e seu corpo. E como ela está na glória de Deus e dos santos, continua perto de nós, auxiliando-nos como mãe amorosa, irmã e companheira na fé; A Igreja agradece todas as manifestações do “gênio” feminino surgidas no curso da história, agradece todos os carismas que o Espírito Santo concede às mulheres na história do Povo de Deus, todas as vitórias que deve à fé, à esperança e caridade das mesmas, agradece enfim, todos os frutos de santidade feminina. Nossa gratidão a todas as mulheres Igreja.

Padre José Assis Pereira 
* Padre José Assis Pereira Soares é párcoco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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