PADRE LUIZ SANTIAGO – O COLOSSO DE CUITÉ

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A paróquia de Nossa Senhora das Mercês, em Cuité, é a mais antiga dos arredores, pois foi instaurada em 1801, muito antes da Proclamação da Independência do Brasil. Sim, nossos antepassados vieram para esse sertão há bastante tempo. Provavelmente, todos os que lerem este artigo pertencerão ao 10º ou o 14º tronco de uma linhagem que remonta ao início século 18!

Quando uma pequena comunidade começa a progredir, sempre aparecem forasteiros, pessoas que chegam para residir, sem maiores laços com as pessoas nativas do lugar. Muitas vezes esses recém chegados trazem capitais ou idéias novas que resultam numa revolução nos costumes e  na economia. Esta situação aplica-se ao padre Luiz Santiago, um brejeiro de Remígio, que chegou em Cuité no longínquo ano de 1929 para assumir os destinos da velha paróquia.

Naquele tempo a cultura era uma flor raríssima escondida nos seminários católicos. E o padre Luiz passou dez anos num destes templos do saber (e de fé), saindo padre e detentor de amplo conhecimento, cujos reflexos atingiriam em cheio toda Cuité e as demais cidades de nossa regiãozinha paraibana, numa dimensão temporal superior aos mais de vinte anos (1929-1941) em que ele exerceu o sacerdócio.

Durante toda a sua longa vida, vivida intensamente em meio ao nosso povo, foi-se revelando o seu talento multifacetado que causou um imenso impacto, cujos aspectos serão sopesados a seguir.

Como se arquiteto e engenheiro fosse, desenhava e construía igrejas, sendo as mais importantes  a de Cuité e a de São Severino Bispo,  que deu o impulso definitivo para o crescimento de Nova Floresta.

Foi pioneiro como educador, ao  criar cursos profissionalizantes ministrados, inclusive, em sua propriedade rural.

Na seara do empreendedorismo rural, foi quem introduziu a cultura do agave por aqui, algo maravilhoso, pois, naquele tempo, não eram disseminadas as fibras sintéticas e o agave valia muito, a ponto de criar uma prosperidade relativa que cheguei a ver com meus próprios olhos juvenis quando residia em Cubati, há trinta anos.

No aspecto da historiografia  o seu pioneirismo foi absoluto, pois foi o primeiro a publicar um livro sobre a História de Cuité e da região (em 1936), mais de cem anos depois que o famoso mártir pernambucano Frei Caneca ter feito a primeira menção escrita sobre nossa terra, em seu diário, quando passou por Pedra Lavrada. E muitas décadas antes da obra sobre Picuí, escrita por Abílio César.

Foi paleontógo amador, pois costumava embrenhar-se durante dias nos matos e “furnas” para copiar e analisar as inúmeras inscrições nas rochas que abundam em nossa região, traços, acreditava ele, de mensagens dos nossos ancestrais pré-cabralianos. Ele descobriu até um cemitério indígena nos limites de Solânea e Cacimba de Dentro. Tais estudos e desenhos não foram em vão, pois servem de fonte para obras sobre nossas origens até hoje, embora Luiz Santiago nunca os tenha publicado. Boa parte dos seus achados arqueológicos ainda existem e estão a salvo para futuros estudos.

Talvez este seu lado arqueólogo, fez com que ele se interessasse pelo estudo das línguas dos indígenas, a ponto de escrever um dicionário tupi-português. 

Era grande leitor e colecionador de livros, sendo que muitas das obras que lhe pertenceram encontram-se a salvo na biblioteca paroquial de Barra de Santa Rosa.

Foi ardoroso defensor das novidades tecnológicas, sendo um dos primeiros a possuir carro, motocicleta  e filmadora entre nós. Consta que ele foi radioamador, algo muito avançado em sua época. Curiosíssimo, ainda inventava máquinas de desfibrar o agave e sabia pilotar aviões.

Também exerceu a militância (da boa) política, preocupando-se com a invasão das terras paraibanas pelo Rio Grande do Norte, a ponto de se embrenhar pelas serras mais íngremes com Abílio César para encontrar os limites corretos entre os dois estados.

Contudo, o seu amor pela doutrina católica levou-o a se tornar o protagonista do primeiro episódio de intolerância religiosa que tivemos notícia, um caso crescente de incidentes lamentáveis que culminou com um assassinato misterioso que lhe foi imputado, por ser o padre bom atirador e portar arma de fogo.

Para entender esse contexto é preciso lembrar que os primeiros missionários pentecostais chegaram em Belém do Pará, vindos dos Estados Unidos, no Final do século XIX. As conversões logo ocorreram e essa nova idéia religiosa foi se estendendo em pouco tempo, até chegar à Paraíba, no alvorecer do século XX.

Nos anos vinte do século passado, aconteceram as primeiras conversões no Seridó e no Curimataú, no que provocou uma reação tresloucada por parte do padre Luiz e dos seus seguidores. Iniciou-se uma perseguição medieval aos “crentes” na área sob a influência do vigário, a ponto de acontecerem espancamentos, interrupções de cultos, demolição de igreja em construção, proibição de sepultamento dos evangélicos no único cemitério da cidade, culminando com o assassinato de um desses convertidos.

Mas já naquele tempo, o espírito de tolerância já existia entre nós; a Igreja Católica reagiu, punindo o padre Luiz Santiago. Ele ficou proibido de celebrar missas, sendo destituído de ministrar os sacramentos católicos. Contudo, sua vocação para o sacerdócio era genuína e, não se conformando, construiu uma igreja privada em sua fazenda, onde ministrava os sacramentos aos que mais fiéis seguidores ate o fim de sua longa vida. 

Se Cuité e a região perderam o padre, viram surgir um produtor rural muito ativo, pois, desde a década de 20, Luiz Santiago adquirira uma fazenda no município de Barra que se tornou o centro de todas as suas atividades. Nesta propriedade ele começou a realizar muitos dos seus projetos mirabolantes, como um campo de aviação, um observatório espacial, um engenhoso elevador e até um museu !! Os recurso para tais projetos surgiram da sua vocação para os negócios e para a agricultura, pois o agave que ele introduziu era mais rentável do que o algodão. Até concessionária de automóveis ele abriu em Currais Novos. Estes negócios geravam os recursos que ele aplicava em suas invenções e propriedades rurais.

E ele viveu muito, pois só faleceu com 91 anos, vitima de pneumonia. Antes disso, mandou construir um tumulo suntuoso, digno de sua exuberante personalidade, do lado da igreja construída por ele para celebrar suas missas clandestinas para seus fieis. E também ele soube ser generoso em vida, pois distribuiu os seus bens para pessoas humildes, e procurar seus tesouros culturais, seus livros, fósseis e peças antigas.

Muitos dos seus contemporâneos foram implacáveis em sua opiniões sobre o padre Luiz Santiago. A maioria o taxava de louco, certamente por não compreender sua complexa personalidade, muito a frente do tempo em que viveu. Contudo, essas injúrias nunca o abateram, pois sempre defendeu suas idéias com vigor, talvez consciente da sua superioridade intelectual e moral. A sua maneira, foi um verdadeiro “colosso”, pela grande influência que teve, pelo respeito que alcançou e pelas mudanças que defendeu com êxito e que resultaram em melhorias materiais para o nosso povo.

Álisson Pinheiro